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Lá Família 013: A Carta de despedida do Chorão

Por Filipe Vasconcelos: “O último disco do CBJR é belo, porém cheio de dor e tristeza”

A trajetória do Charlie Brown Jr foi uma mais brilhantes do rock nacional, quiçá da música de modo geral. Infelizmente, o fim da banda foi trágico e bastante prematuro. Há dez anos atrás o líder e vocalista, Chorão, foi encontrado morto em seu apartamento, vítima de overdose por cocaína. Meses depois, o baixista Champignon, cometeu suicídio, pondo fim a uma das bandas de rock mais furiosas e legais do país. Como herança, o grupo deixou o álbum póstumo, Lá Família 013, um disco que eu considero como a carta de despedida do Marginal Alado.

O derradeiro disco do Charlie Brown Jr com certeza não é o melhor trabalho já feito, mas em termos de melodia, arranjos e letras, sem dúvida, é o mais bonito, como também o mais triste. A morte tão chocante do Chorão trouxe à público uma situação que os fãs não poderiam imaginar, que era o vício em cocaína, que culminou no fim do seu casamento com Graziela Gonçalves, Grazon para os fãs mais fiéis do CBJR.

O amor de Chorão por Grazon foi o responsável por absolutamente TODAS as canções de amor que a banda registrou ao longo dos seus 11 álbuns de estúdio. O fim do relacionamento, obviamente, foi um golpe pro líder do Charlie Brown, e como não poderia ser diferente, é a inspiração das canções grávados em Lá Família 013. Aqueles que acompanharam os últimos meses de show de Chorão relatam discursos muito depressivos do cantor, que não se preocupava em esconder dos fãs que não estava bem e com freqüência chorava nas apresentações. Claro, ninguém tinha noção da profundidade do poço que dono do CBJR havia chegado.

Chorão. Líder do Charlie Brow Jr – Foto: Divulgação.

É muito importante relembrar esse contexto pessoal até a morte de Chorão, uma vez que cada agudez de dor sentida por ele foi impresso ao longo das 13 faixas desse disco. A comparação com “A tempestade”, último trabalho da Legião Urbana, é muito adequada. Porém, enquanto Renato Russo utilizava sua poesia e lirismo pra dar um Adeus consciente aos fãs, em Lá Família 013, Chorão simplesmente vomita da forma mais visceral possível o seu sofrimento. Sim, esse é o disco mais doloroso que o rock nacional já produziu. É como se o cantor soubesse que sua hora estivesse chegando, e utilizou o trabalho para falar o que ainda não hávia dito, e não deixar nenhum assunto inabado. Infelizmente, também fia óbvio sua falta de consciência em entender os males que o vício lhe causou.

O disco já abre com uma pancada emocional muito certeira na faixa “Um dia a gente se Encontra”. A música deixa claro o contexto conceitual do disco, ou seja, ele conta uma história, no caso, a história de uma separação. Aqui Chorão explica aquilo que vinha passando, explicito em trechos “Saudades de casa, que grande ironia. Meu tempo agora não é mais só meu” e terminando com o refrão “Então vamos viver e um dia a gente se encontra”. Eu lembro bem da sensação de tristeza que me veio ao ouvir essa canção pela primeira vez.

A faixa “Meu Novo Mundo”, ironicamente, foi a que Chorão apresentou as rádios dias antes de sua morte. Aqui ele não só questiona os eventos de sua vida, como no trecho “Fiz essa canção pra dizer algumas coisa, cuidado com o destino, ele brinca com as pessoas” como termina em outro daqueles refrões premonitórios “A saudade de você já é maior que tudo e não existe distâncias pro meu novo mundo”.

Encarte do disco

Já a música “Hoje Sou Quem não Mais te Quero” é a mais pesada em termos de letra. Aqui todo aquele momento de revolta de um fim de relacionamento é colocado pra fora, sem dúvida, com as frases mais tocantes do disco. É um sentimento quase perturbador de aceitação e raiva colocados num tom desesperador de desistência. “E eu me pergunto por que as coisas são assim. Todo dia eu recomeço muito perto do fim” canta Chorão numa melodia meio bossa nova, até chegar num refrão muito sincero, muito direto para sua amada “Eu olho pra você e vejo muito do que eu quero mas o mesmo de você, sinceramente, eu já nem mais espero. Já nem sei mais se quero. Hoje sou eu quem não mais te quero” Quando ouvi isso a primeira vez eu consegui imaginar como teria sido para Grazon ouvir essas palavras, sem poder responder. É um monologo velado, eu diria.

Enquanto muitas canções passeiam por desabafos e saudades, em outras, é notável momentos de devaneios, como se tudo estivesse bem, como fica presente em “Cheia de Vida” e “Vem ser minha”, onde ele celebra um amor que vive sua melhor fase. E ainda há aqueles momentos mais raiz, com mensagens mais voltadas a juventude, até mais positivo, como no reggea “Fina Arte”, que pra mim traz mais um trecho de despedida na frase “Charlie Brown, amor eterno. Charlie Brown, de pai pra filho” e até mesmo em “Samba Triste”, que mesmo num tom mais reflexivo, é uma canção menos pra baixo. Infelizmente, ela dá passagem a ultima música e a mensagem final da despedida.

“Contrastes da Vida” é aquela balada de violão padrão, estilo “Só os Loucos Sabem”, mas sem as mensagens de perseverança da mesma. A frase final pro seu público infelizmente foi “Mesmo os mais fortes às vezes não encontram uma saída”. Soa exatamente como um último ato. É preciso deixar claro, que, não estou dizendo que o cantor tinha alguma intenção de tirar sua vida. Porém, são coinscidências poéticas e muito espirituais presentes nesses trechos, que acredito ser válido apontar.

O tom mais depressivo das músicas é acentuado pelo fato de Lá Família 013 não ter sido “concluído”. O produtor desse trabalho, Tadeu Patola, explicou que Chorão sequer terminou de gravar as canções, pelo menos não de modo oficial. Foram registradas as vozes de somente três músicas, as demais, foram demos feitas em pré-produção. Por esse motivo, por vezes, a voz de Chorão soa meio abafada, já que as demos, em geral, tem qualidade inferior. Mas o que se destaque mesmo é a interpretação do cantor.

Em algumas músicas, como em “Do Jeito Que eu Gosto”, ele parece totalmente distante, declamando e desabafando. Mesmo não sendo intencional, essa interpretação foi ideal pra dar vida ao repertório do disco. Já em “Vem ser minha”, sua voz soa totalmente surreal, com erros de respiração aqui e ali, totalmente desprendido da música, mas ao mesmo tempo, consciente do que fazia. Ele parece muito mais conversar do que cantar.

Charlie Brown Jr: Marcão, Champignon, Chorão, Thiago Castanho e Bruno Graveto

Lá Família 013 era um disco muito esperado pelos fãs. Este seria o primeiro trabalho desde a volta de Marcão e Champignon a banda, que haviam saído em 2005 e retornaram em 2011. Para os membros remanescentes, lançar o disco era a maior homenagem que poderiam fazer ao eterno líder do CBJR, mesmo sabendo que muitas das músicas sequer estavam com a ideia fechada. Dai o motivo de Lá Família 013 ser considerado um álbum póstumo. O título refere-se ao DDD de área de Santos, cidade onde a banda foi formada, dai seria algo como “Lá Família de Santos”, um nome até bem alto astral pro conteúdo registrado.

Muitas vezes, se debruçar numa música faz o ouvinte entrar no mundo do compositor, sentindo as diferentes sensações que uma letra ou uma melodia nos passam. Lá Família 013 nos convida a mergulhar na cabeça bagunçada e sofrida de Chorão, que se expôs sem nenhum puder ao cantar sobre o fim do seu casamento, e de certa forma, sobre a cobrança de ser o “Chorão” e as expectativas externas sobre ele.

Eu queria que esse tivesse sido um disco de reflexão em um momento ruim, que daria lugar a um Chorão feliz novamente num vindouro próximo álbum, voltando a cantar sobre seus corres seus loucos amores. Infelizmente, o último trabalho do CBJR é um adeus. Cada música é um relato de uma pessoa que, infelizmente, sofria uma dor que não podia agüentar.

Escutar Lá Família 013, ao menos para mim, continua tão difícil e prazeroso como foi na primeira vez. É um álbum lindo na sua essência, cheio de reflexões muito válidas, mas ao mesmo tempo, cheio de dor e tristeza.

  • O autor é estudante de jornalismo e músico

Os artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores. É permitida sua reprodução, total ou parcial desde que seja citada a fonte.

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