Em Mato Grosso, o advogado Roberto Zampieri era reconhecido pelo seu bom relacionamento em certos setores do Judiciário e pela impressionante taxa de sucesso em casos complexos ou tidos como perdidos. Andreson de Oliveira Gonçalves ganhava a vida oficialmente como empresário no setor de transporte de cargas. Esses dois personagens colaboraram por anos em um empreendimento de milhões de dólares.
O advogado atraía clientes interessados em processos em andamento no Superior Tribunal de Justiça. O magnata empregava sua rede de conexões em Brasília para influenciar o resultado de audiências.O plano, desvendado por VEJA há duas semanas, operou até dezembro de 2017, quando Zampieri foi executado a tiros em Cuiabá — um assassinato ainda envolto em enigmas. Junto ao corpo, a polícia localizou o telefone móvel do advogado.
Dentro dele, havia gravações de áudio, mensagens e documentos que desvendavam o esquema de venda de sentenças que, até onde se sabia, envolvia o gabinete de quatro ministros da segunda mais alta corte do país, o que já era um acontecimento de extrema gravidade. No entanto, a infiltração criminosa pode ter ultrapassado os limites.
A Polícia Federal iniciou um inquérito para investigar o caso com base nos diálogos e documentos encontrados no telefone do advogado que faleceu. A documentação encontrada não deixava margem para dúvidas de que um conjunto de advogados e lobistas comprava e comercializava decisões judiciais do STJ. Foram recuperadas da memória do dispositivo mensagens que sugerem o comportamento de diversos ministros, rascunhos originais de sentenças e comprovantes de transferências financeiras.
Uma das primeiras ações dos agentes foi distinguir o que era concreto do que parecia ser retórica dos delinquentes. Após essa primeira seleção, o foco da investigação foi nos gabinetes dos ministros Isabel Gallotti, Og Fernandes, Nancy Andrighi e Paulo Moura Ribeiro. As provas apontavam para a corrupção dos funcionários desses gabinetes. Em troca de dinheiro, antecipavam veredictos e alteravam decisões de acordo com o interesse do cliente tudo, em princípio, à revelia dos chefes. O escândalo, supunha-se, estava circunscrito ao segundo escalão do tribunal.
Contudo, na semana passada, essa convicção foi questionada. Conforme revelado por VEJA, no celular do advogado que faleceu, havia conversas que sugeriam o pagamento de propina apenas a funcionários do STJ. No rastro do dinheiro, os investigadores pediram ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) um estudo sobre as atividades financeiras dos suspeitos – OS corruptos e os corruptores. Então, surgiu um novo fato que pode alterar a situação de nível. Duas fontes com acesso à investigação informaram à VEJA que os especialistas identificaram transações financeiras tidas como atípicas envolvendo o lobista Andreson Gonçalves, um intermediário e o ministro Paulo Moura Ribeiro.
O simples fato de ter sido detectada uma transação classificada como fora do padrão pelo Coaf não significa que o magistrado tenha cometido crime ou recebido propina do esquema de corrupção instalado nos gabinetes do STJ, mas obrigou a polícia a remeter o inquérito ao Supremo Tribunal Federal (STF), que agora vai decidir se autoriza ou não o prosseguimento da investigação.
Fonte: VEJA