Por Filipe Vasconcelos: Uma homenagem a um herói da música que nos deixou mais cedo que deveria
No último dia 13 o Brasil perdeu um baixista lendário de uma banda lendária em nosso território, o grande e inigualável Canisso. Ok, talvez você, amigo músico, que esteja lendo isso, sabe que em termos técnicos, Canisso não era um grande músico. Mas não é apenas de técnicas instrumentais bem apuradas ou quantidade absurda de notas que um músico pode tocar que se faz uma lenda. A obra deixada pelo Raimundos, banda que Canisso foi co-fundador e esteve presente desde seu início, provam que o “mestre” é sim uma lenda inquestionável.
E ao falarmos da partida de Canisso, que nos deixou vítima de um infarto, aos 57 anos de idade, automaticamente lembramos da trajetória do Raimundos, banda formada em Brasília, no final dos anos 80, que veio estourar nacionalmente em 1994, depois que o quarteto integrado por Rodolfo Abrantes (vocal), Digão (Guitarra/vocal), Fred (bateria) e Canisso (baixo) foi descoberto pelo também já falecido produtor musical, Miranda, que em parceria com o Titãs, fundou o selo Banguela, responsável por lançar várias bandas nos anos 90, sendo o Raimundos o carro chefe do casting.
Desde seu primeiro disco, o autointitulado Raimundos (1994), os Malucos de Brasília mostraram que seriam uma banda intensa. A mistura do forró nordestino com o punk do Ramones e o Hardcore californiano criou uma identidade musical sem precedentes ao grupo. As letras, então… Nem se fala. Se você, que foi criança nos anos 90, e não ouviu escondido dos pais canções como “Selim”, “Palhas no Coqueiro”, “Nega Jurema” e “Puteiro em João Pessoa”, com certeza teve uma infância bem infeliz.
Nos anos seguintes, o Raimundos arrebatou uma legião de fãs. Com o disco Lavo tá Novo (1996), mais um canhão de sucessos foram lançados, mostrando que o Raimundos não seria uma banda de sucesso passageiro. Músicas como “O Pão da Minha Prima”, “I Saw You Saying”, “Esporrei na Manivela” e “Eu Quero Ver o Oco”, essa última contando com uma introdução de baixo icônica, fizeram parte da trilha dos anos 90 e alçaram a banda para novos e altos voos.
E claro, o Raimundos é lembrado até hoje pelo seu maior fenômeno radiofônico, a intensa e grudenta Mulher de Fases. O amigo leitor que já curtiu noites de rock no Porão do Alemão, com certeza já cansou de ouvir essa canção por lá. A música foi gravada no disco Só no Fórevis (1999), aquele que seria não só o último da formação clássica do grupo, como também o último grande feito popular do Raimundos, que entraram na escuridão nos anos seguintes.
A conversão do vocalista, Rodolfo, ao cristianismo, o fez deixar o grupo no início dos anos 2000. Com isso, o Raimundos perdeu toda a atenção conquistada nos anos passados. Digão assumiu os vocais do grupo, e contando com Canisso como apoio na liderança, o grupo seguiu em frente, lançando o esquecível e chato Kavookavala (2001), disco bem fraco que não teve nenhuma atenção da mídia.
A verdade é que o Canisso sempre foi aquela figura apontada como uma “cola” dentro do Raimundos. Com o sucesso cada vez maior, as relações dos integrantes foi sofrendo o desgaste natural, não só pela convivência intensa, como também pelo ego que se aflora em mentes jovens lidando com a fama. Nesse cenário, Canisso era o cara mais velho e tentava lidar com os conflitos dentro da banda, igual vinha fazendo nos últimos anos de vida.
O baixista chegou a deixar a banda por uns anos, período em que tocou o Rodolfo em sua banda de punk/hardcore cristã, o Rodox. Com o fim do grupo e uma série de novos desentendimentos no Raimundos, que faz o baterista Fred deixar o grupo, Canisso retornou em 2007, decidido a reestruturar o Raimundos como se deveria.
Na atual formação, contando com a adição de Marquinhos na guitarra e Caio na bateria, o Raimundos conquistou de novo um espaço no mainstream, graças a um contrato com a Som Livre, onde lançaram o disco Cantigas de Garagem (2014), o último do grupo a contar com canções inéditas.
Durante a pandemia, as tensões entre os membros da banda ganharam a internet. Digão fez declarações de apoio ao então presidente, Jair Bolsonaro, o que irritou uma enorme parcela de fãs da banda e outros músicos da cena, como o líder do Detonautas, Tico Santa Cruz. Em meio ao caos de xingamentos e brigas no Twitter, Canisso acabou sendo o porta-voz do grupo, deixando claro que a opinião do vocalista não era a mesma do restante da banda, chegando a declarar uma suspensão das atividades do grupo.
Com a retomada dos shows, o Raimundos voltou aos palcos, mas os ataques dos “fãs” eram constantes, e ainda sim, Canisso se colocou como o “para-raio das bad’s”. Mesmo sendo cobrado e até ofendido pelo público, o baixista jamais perdeu a compostura e o respeito, dando respostas cirúrgicas, mas sempre deixando claro seu posicionamento político, totalmente contrário ao do amigo. Mais uma vez, ele surgiu como aquela “cola”, que tentava manter o Raimundos conectado ao seu público.
Eu, como fã da banda desde criança, senti muito a morta do Canisso, não como um ente querido, claro. Mas, a partida dele me faz refletir mais ainda sobre ao futuro do rock no Brasil e sobre a música de modo geral. Os grandes nomes estão partindo de pouco a pouco, e não sinto que esteja acontecendo uma renovação nessa geração. O sentimento de estar indo ladeira abaixo dentro do cenário musical no Brasil fica mais forte quando uma figura tão emblemática do rock nos deixa.
Eu termino esse texto tendo a certeza que as minhas palavras foram muito pequenas comparada a grandeza deste grande músico ou da obra incrível que ele deixou junto ao Raimundos. Aqui fica minha singela, porém autentica e muito verdadeira homenagem a um dos meus heróis dentro do rock’n roll, que moldou muito meu gosto musical atual. Vá em paz, mestre Canisso, e obrigado por tudo.
- O autor é estudante de jornalismo e músico
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