A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado agendou para quarta-feira (4) a avaliação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pode alterar a posse da União sobre os denominados “terrenos de marinha”. A matéria é comumente chamada de “PEC das Praias”. A última ação legislativa do texto ocorreu em 27 de maio, data em que foi realizada uma audiência pública sobre o assunto na comissão, causando grande impacto em todo o país.
Apresentada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a proposta possibilita a transferência de propriedades litorâneas para estados e municípios, ou até mesmo a venda para proprietários privados. Se aprovado na CCJ, o texto ainda vai precisar passar por duas votações no Senado e, caso não aconteçam mudanças com relação a versão já aprovada pela Câmara dos Deputados, ele segue à promulgação. São necessários os votos de, no mínimo, 49 senadores.
Após grande repercussão e críticas, Flávio incluiu no último parecer, apresentado em julho, que as praias são “bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido”. Além disso, proibiu “qualquer forma de utilização do solo que impeça ou dificulte o acesso da população às praias”.
Todo território situado na costa marítima do Brasil e nas margens de rios e lagos até o ponto em que as marés interferem, situado na faixa de 33 metros, é classificado como terreno de marinha. Embora o nome indique, as terras não estão ligadas à força militar Marinha. Os territórios são estabelecidos através de pesquisas técnicas.
Se o texto for aprovado e promulgado, as áreas litorâneas poderão ser cedidas sem custos para estados e municípios, ou vendidas para proprietários privados mediante pagamento. Portanto, a União não tem mais permissão para cobrar a taxa de ocupação dessas áreas e o laudêmio (imposto patrimonial da União, devido ao proprietário do terreno quando se vende ou transfere um imóvel em área de marinha).
O relator da matéria na CCJ do Senado, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), argumenta que a União não demarcou todos os terrenos de marinha e que muitos proprietários foram surpreendidos pela demarcação, apesar de terem imóveis devidamente registrados.
“Não nos parece justo que o cidadão diligente, de boa-fé, que adquiriu imóvel devidamente registrado e, por vezes, localizado a algumas ruas de distância do mar, perca sua propriedade após vários anos em razão de um processo lento de demarcação. O fato é que o instituto terreno de marinha, da forma que atualmente é disciplinado pelo nosso ordenamento, causa inúmeras inseguranças jurídicas quanto à propriedade de edificações”, defende.
De acordo com o relator da PEC na Câmara, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), a proposta diz que “todo o interesse público nacional será preservado” e que “a União pode preservar todas as áreas em que ela tiver interesse”.
“Nós não estamos fazendo nenhuma interferência nisso, não estamos oportunizando nenhum negócio imobiliário a quem quer que seja, não estamos autorizando a privatização de praia alguma”, frisa.
“As áreas, quando forem passadas, não serão passadas para o município. A área, que está em domínio da União, será paga para a União, é a União que venderá, não haverá comercialização pelos municípios. Nós apenas vamos garantir na PEC o direito de o cidadão, que usa de maneira permanente, em área consolidada, pagar aquilo que é da sua propriedade, na forma de pagamento que for estabelecida, e, então, ter direito à escritura pública e ao registro”, completa o deputado.
Em entrevista à RECORD News, o economista e advogado especialista em direito ambiental Alessandro Azzoni afirmou que o projeto é inconstitucional e flexibiliza ainda mais as leis ambientais brasileiras, o que poderia causar tragédias como a do Rio Grande do Sul. Além disso, ambientalistas temem pela criação de praias privadas e a ameaça à biodiversidade do Brasil.
A senadora Leila Barros (PDT-DF) afirmou, em audiência pública, que “a manutenção dos terrenos de marinha sob domínio e regra da União é crucial para proteger os ecossistemas costeiros e marinhos, que desempenham papel vital na absorção de carbono, na proteção da linha de costa e na estabilização das margens, contribuindo para a resiliência costeira diante dos impactos das mudanças climáticas”.
Segundo ela, “a transferência de propriedade dos terrenos de marinha pode aumentar os riscos de erosão e inundações nas áreas costeiras, que já sofrem efeitos diversos em diversos pontos do litoral”.
“A perda desses terrenos de marinha para propriedades privadas tende a aumentar as suas ameaças por eventuais flexibilizações ou afrouxamentos de regras federais, limitando, assim, a capacidade de resposta aos eventos extremos e à ocorrência de inundações, que é a maior preocupação. A manutenção dessas áreas como patrimônio público é fundamental para garantir o acesso equitativo à costa e a preservação das praias e ecossistemas naturais como um bem comum”, destacou.
Fonte: R7