O seguro-defeso, benefício pago pelo INSS a pescadores artesanais durante o período de proibição da pesca, está sendo alvo de um esquema de fraudes em larga escala na região Norte do país. Cidades como Mocajuba (PA) registraram em 2024 quase toda a população adulta como pescadora, número que não condiz com a realidade local e levanta suspeitas de uso indevido do programa.
Dados oficiais mostram um crescimento vertiginoso nos cadastros do Registro Geral da Pesca (RGP): de 1 milhão em 2022 para 1,7 milhão até maio de 2025 — um acréscimo de 500 mil registros em menos de um ano. A expansão é atribuída à atuação de entidades conveniadas ao INSS, algumas delas já investigadas por envolvimento em fraudes.
O Maranhão lidera os registros com cerca de 590 mil pescadores cadastrados, seguido pelo Pará, com 347,5 mil. No entanto, esses números não se refletem na produção de pescado. Em 2022, o Maranhão ocupou apenas o sexto lugar no ranking nacional, com 50,3 mil toneladas, enquanto o Pará produziu ainda menos: 25,1 mil toneladas. O Paraná, líder do setor, produziu 194,1 mil toneladas.
A disparidade também é evidente na infraestrutura. O Maranhão, por exemplo, tem apenas 621 embarcações cadastradas e nenhuma empresa pesqueira ativa, contrastando com estados como Santa Catarina, que possui 218 empresas registradas.
Municípios como São Sebastião da Boa Vista (PA), Boa Vista do Gurupi (MA), Cedral (MA) e Ponta de Pedras (PA) apresentam percentuais alarmantes de pescadores registrados — em alguns casos, mais de 30% da população adulta. Em Cametá (PA), 44 mil pessoas foram registradas como pescadoras, sendo que 31,9 mil dessas inscrições ocorreram apenas em 2024, segundo o INSS.
A Polícia Federal apura fraudes que envolvem o uso indevido de senhas de servidores do INSS e do Ministério da Pesca, além da retenção ilegal de parte do benefício por entidades intermediadoras. Só no Pará, os prejuízos mensais com pagamentos irregulares podem alcançar R$ 130 milhões.
Diante das denúncias, o governo federal implementou mudanças no sistema de concessão do seguro-defeso. Desde janeiro, a validação biométrica passou a ser obrigatória para novos registros. Um decreto publicado em 25 de junho formalizou a medida, que busca impedir o ingresso de beneficiários irregulares.
Além disso, uma medida provisória editada em 11 de junho exige que prefeituras homologuem os cadastros, reforçando a fiscalização local.
O Ministério da Pesca informou que está utilizando cruzamento de dados com outras bases governamentais para detectar inconsistências. Já o Tribunal de Contas da União (TCU) conduz uma auditoria para calcular o volume exato de recursos desviados — os dados permanecem sob sigilo durante as investigações.
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