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Titanomaquia: a obra prima brutal dos Titãs

Por Filipe Vasconcelos – “Um disco querido pelos fãs, mas totalmente esquecido pela mídia”

A comemoração do dia nacional do rock (sim, não há nada de mundial, só no Brasil que isso é celebrado) esse ano coincide com a semana em que a banda brasileira Titãs celebra os 30 anos de lançamento de um de seus discos mais queridos pelos fãs, e ao mesmo tempo, mais ignorado e criticado da carreira da banda. Titanomaquia, lançado em 1993, é um verdadeiro queridinho entre os fãs mais fiéis da banda (entre os quais eu me incluo). No entanto, apesar de ser tão cultuado, essa obra marca uma fase bem problemática na banda, tanto na sua relação com a mídia especializada, quanto internamente na banda. Eu espero, de verdade, fazer justiça a esse disco tão incrível na coluna de hoje.

Pra falarmos do Titanomaquia é necessário contextualizar o momento que os Titãs viviam em sua carreira. Em 1989 a banda estava em alta, com o disco Õ Blesq Blom, que foi o pico de uma escalonada musical, mostrando uma mesclagem de música eletrônica com rock, mistura que a banda vinha fazendo de forma gradual em seus trabalhos anteriores. Porém, o grupo decidiu que era hora de voltar a uma sonoridade mais crua, e com isso, em 1991, lançaram o disco “Tudo ao Mesmo Tempo Agora”, que era mais pesado e com letras mais escrachadas, algumas até um tanto escatológicas, totalmente fora da curva da banda que lançou hits radiofônicos como “Flores” e “O Pulso” do álbum passado.

Com um disco tão fora dos padrões, o Titãs foi de “queridinhos da mídia” para “personas não gratas”. “Tudo Ao Mesmo Tempo Agora” vendeu mal e causou até mesmo uma ruptura entre o público da época. O próprio Nando Reis, em seu canal, contou que houve uma mudança na audiência que freqüentava os shows do grupo. As rádios e a televisão viraram as costas pros Titãs, salvo alguns casos, como Serginho Groinsman, que ainda davam espaço pra banda.

O viníl vinha embalado em um saco de lixo preto – Reprodução

O impacto negativo de “Tudo Ao Mesmo Tempo Agora” motivou a banda a ir mais fundo na música pesada, decisão essa foi mudaria para sempre o Titãs. Logo de cara, Arnaldo Antunes, que era considerado pelo público o “líder” do grupo, deixa o Titãs ainda no processo de composição do novo disco. O desligamento de Arnaldo aumentou ainda mais a desconfiança do público sobre a banda. Outro fato que seria determinante em discos anteriores foi a presença do produtor americano Jack Endino no trabalho. Jack veio da cidade de Seattle, e tinha em seu currículo a produção do disco de estréia do Nirvana.

Sobre a tutela de Jack, que era especialista em rock pesado, nasceu Titanomaquia, disco ainda mais cru que o anterior, com uma sonoridade marcada pelo flerte com o hard rock e o grunge, sem espaço para baladas ou canções radiofônicas. Pode-se dizer que esse é o disco mais  obscuro do Titãs, não só pela falta de conhecimento do público de massa, mas pelas canções aqui apresentadas, que em geral, são incríveis, distorcidas, sujas e funcionam muito bem. Acho que é muito claro que as 13 faixas do álbum possuem uma coesão cristalina e em nenhum momento deixam de lado a intenção da banda, que era chocar e fazer pensar.

A faixa de abertura, “Será que é isso que eu necessito” foi um recado muito direto para as rádios e jornalistas que “abandonaram” a banda no inicio dos anos 90, deixando claro que eles não se importam com que os especialistas tinham a dizer sobre o novo trabalho. Isso fica muito claro em versos como “Quem é que precisa tomar cuidado com o que diz/não sei qual é o problema, qual é o problema, seu bosta?”.

A capa traz sete cores diferentes, cada uma representando um membro da banda

Apesar de ser um álbum bem fora da curva e nada pop, os Titãs, pasme, ainda conseguiu por uma das faixas em um seriado de TV, e pasme mais ainda, foi da TV Cultura. A canção “Nem sempre se pode ser Deus” vez ou outra tocava em algum episódio de Confissões de Adolescente, sendo, junto com a primeira faixa, as únicas duas músicas que tiveram alguma pequena repercussão. Imagina como era chocante ouvir frases como “Não é que eu vou fazer igual, eu vou fazer pior” em um seriado de um canal tão família quanto a Cultura”

Da terceira música adianta, o disco se torna cada vez mais intenso e cru. “Disneylandia”, uma das contribuições de Arnaldo Antunes que ficou pro disco, trata da globalização e de como isso tornou o mundo uma mescla comum.

Os Titãs se mostram muito a vontade de cantar músicas bem pesadas e gritadas, é o caso de “Estados Alterados da Mente”, que cita distúrbios mentais e seus efeitos nas pessoas “A Verdadeira Mary Poppins” e “Agonizando”, essa última cantada por Sérgio Brito, com uma bateria que se aproxima da levada de bandas de metal, crua, intensa, berrada e muito fora daquilo que os caras estavam acostumados a fazer.

Foi nesse disco também que os titãs lançaram a sua letra mais desconfortável, ao meu ver, a brilhante “Dissertação do Papa sobre o crime seguido de orgia”, um relato declamado de Branco Mello, onde ele fala de práticas de morte comuns que eram praticadas em diferentes culturas na época da idade média. A quantidade de detalhes e o modo como o ritmo perverso da canção casa com a interpretação de Branco deixam a música bem indigesta para ouvidos mais sensíveis. Outro destaque é “Hereditário” outra letra de Arnaldo que ficou no disco, e a única cantada por Nando Reis, que não contribuiu em absolutamente nada pra esse disco.

Programa Livre (SBT) – Serginho Groinsman – um dos únicos programas a dar espaço pra banda na época

As canções pesadas e sujas não são os únicos destaques por trás de Titanomaquia. Hoje, graças a biografias e relatos dos integrantes, sabemos que foi um disco onde a raiva dos integrantes em cima de uma série de fatos externos influenciaram no som “malvadão” presente nas músicas desse álbum, como a briga com a mídia e a saída de Arnaldo Antunes da banda. O único membro do grupo que não queria fazer o disco do jeito que saiu foi Nando Reis, que já declarou odiar o disco, por ter sido o único contra o direcionamento musical tomado neste trabalho, o que foi determinante na sua ruptura com a banda, que o fez deixar o Titãs em 2002.

Por fim, mesmo não tendo a menor atenção da mídia, e mesmo envolto de polêmicas devido a relação interno da banda, Titanomaquia, cujo nome é inspirado na guerra travada entre os deuses gregos e os titãs da mitologia, é um álbum que se tornou amado pelos fãs da banda. Trata-se de um disco pesado, sujo, cruel, raivoso e intenso, como poucos feitos por uma banda como o Titãs.

Além de tudo, ao meu ver, foi o último suspiro de criatividade da banda, que após dois anos de férias, voltariam com um disco mais rock pop, sem graça e sem vida, sendo o prelúdio da banda mais “padrão” que eles vieram a se tornar nos anos 2000, que mesmo fazendo bons trabalhos, nunca mais teve a ousadia de fazer algo igual o Titanomaquia.

*O autor é estudante de jornalismo e músico

Os artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores. É permitida sua reprodução, total ou parcial desde que seja citada a fonte.

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