Organizações da sociedade civil iniciaram uma campanha via e-mail na plataforma Criança Não é Mãe com o objetivo de persuadir o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os líderes da Câmara dos Deputados a rejeitar o PL da Gravidez, um requerimento de urgência do Projeto de Lei 1904/24.
Em maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe o uso de uma técnica clínica conhecida como assistolia fetal para interromper gestações após 22 semanas de estupro. Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1141), a decisão liminar foi tomada.
A proposta, subscrita por vários deputados da oposição, foi apresentada nas bases bolsonarisas para desafiar a decisão do STF. O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros parlamentares apresentaram um projeto de lei chamado PL da Gravidez Infantil que visa equiparar o homicídio simples ao aborto acima de 22 semanas de gestação.
A proposta inclui casos de aborto por estupro, que atualmente são permitidos pela CP e não há limite de idade gestacional.
O PL 1904 proibirá totalmente o aborto por estupro acima de 22 semanas se for aprovado. Essa mudança teria um impacto significativo nas crianças vítimas de estupro, pois os casos de abuso e as consequentes gestações geralmente demoram a ser identificados, o que leva à procura tardia pelos serviços de saúde.
No Brasil, em 2022, 74.930 pessoas foram estupradas, com 61,4% delas com menos de 13 anos. Os dados foram divulgados pelo Fórum de Segurança Pública.
Em contraste, a pena máxima para os crimes de estupro é de dez anos. No entanto, se um projeto de lei for aprovado, as mulheres que foram estupradas e os profissionais que as atendem que têm gestação com mais de 22 semanas serão punidas com um período de 20 anos de prisão.
Na última quarta-feira, 5 de junho, o projeto, apresentado em 17 de maio, estava na pauta do Plenário da Câmara.
No entanto, os tumultos, principalmente na sessão da Comissão de Direitos Humanos, impediram a votação devido ao estado de saúde da deputada Luiza Erundina (PSol-SP).
O presidente da casa, Arthur Lira, se comprometeu com o autor do PL para colocar o requerimento em votação nesta quarta-feira, 12.
Caso a urgência seja aprovada, o projeto passará para votação no plenário da Câmara sem passar por revisões nas comissões, onde pode ser vetado ou alterado, nem passar por discussões públicas.
Para evitar isso, grupos feministas lançaram um abaixo-assinado para pressionar Arthur Lira e os líderes da Casa para evitar que mais crianças no Brasil percam sua infância por causa da maternidade.
Desde 1940, as mulheres brasileiras têm o direito de interromper a gestação em casos de estupro que representem risco à vida de acordo com o Código Penal. Essa permissão foi ampliada para casos de anencefalia fetal em 2012.
O PL 1904/24 tem limitado um direito garantido por décadas, colocando principalmente em risco as pessoas mais vulneráveis. Os dados do Sistema de Nascidos Vivos do país indicam que 25 mil crianças de até 14 anos têm filhos anualmente.
Relações sexuais com pessoas menores de 14 anos são consideradas estupro de vulnerável pela lei, o que garante a essas crianças o direito de abortar legalmente.
No entanto, um levantamento da Revista Azmina indica que, em média, apenas 1.800 abortos legais foram realizados no Brasil entre 2015 e 2022.
“Muitas vezes, a situação de abuso demora a ser descoberta e a gravidez identificada, fazendo com que demorem mais a chegar nos serviços de aborto legal ou nem cheguem a eles”, explica Laura Molinari, coordenadora da campanha Nem Presa Nem Morta.
Somente 3% dos municípios brasileiros têm serviços de aborto legal disponíveis. Além das crianças, muitas mulheres precisam viajar para acessar esse direito, enfrentando recursos e estrutura insuficientes. A busca pelo direito ao aborto legal geralmente ocorre após 22 semanas de gestação, por isso as mães ou cuidadoras precisam se preparar para essas viagens.
O requerimento de urgência para o PL 1904/24 surge em um contexto político complexo, onde os direitos das mulheres, crianças e gestantes são tratados como um preço.
A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que tentava impedir o aborto após 22 semanas foi suspensa em 17 de maio por uma decisão liminar do Ministro Alexandre de Moraes, do STF.
O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) protocolou o PL 1904/24 na Câmara Federal no mesmo dia. No início de junho, o Brasil foi cobrado pelo Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw) da ONU para descriminalizar e legalizar o aborto no país. A cidadania precisa estar alerta e engajada diante dessa disputa contínua.